4 de mar. de 2012

At Tayba

“Nós somos animais. Somos tratados como animais”.

Foi isso que eu ouvi de um palestino que se amontoava com outros três ou quatro para passar, ao mesmo tempo, pela primeira porta giratória do checkpoint de At Tayba, que já contava com uma fila de cerca de 200 pessoas às quatro da manhã, todas aglomeradas e na dependência da boa vontade de um funcionário qualquer, que, de uma câmera em algum lugar distante, regulava quem podia e quem não podia entrar.

 

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Eu fiquei aturdido com aquela afirmação. Me aproximei da “jaula” e tudo que consegui fazer foi balançar a cabeça e dizer “eu sei, é horrível”. Tentei engatar uma conversa naquele momento, perguntar qualquer coisa, mas a porta giratória abruptamente voltou a funcionar e o “animal” com o qual eu ia começar a falar pôde respirar um pouco e seguir para a etapa seguinte, o detector de metais.

Já ouvi muito que conflitos ou disputas devem ser apreciados com objetividade. Mortos, feridos, pessoas passando por checkpoints, crianças sendo impedidas de ir à escola, mulheres sendo revistadas por homens, tudo, se possível, deve ser convertido em número e apreciado por critérios que distanciem ao máximo o intérprete de seu objeto de estudo. É limpo, bonito e, em tese, permite ao interlocutor avaliar a mensagem transmitida da maneira que ele melhor entender. É a função denotativa da linguagem em sua forma mais acabada, pode-se dizer.

Pois bem, se querem objetividade, hoje, das quatro às sete da manhã, mais de 2500 indivíduos passaram por At Tayba; tivemos que ligar quatro vezes para a Humanitarian Hot Line (uma espécie de SAC dos checkpoints – porque aparentemente passar pela fronteira é como reclamar do iogurte estragado) para saber porque as coisas não estavam funcionando. Ligamos para uma ONG israelense para saber se eles tinham alguma notícia sobre o que havia acontecido, porque houvera uma queda substancial de passantes entre a primeira e a segunda hora de funcionamento do terminal (de 1400 para 600 pessoas, na média). Às 6h55min soubemos que a empresa privada que administra o lugar estava enfrentando problemas, mas que esses já seriam averiguados. Ao final, contamos, por alto, umas 500 pessoas na fila.

 

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Mas isso realmente não expressa nem metade do que eu experimentei hoje. O que eu vi e ouvi nessas três horas em que estive no checkpoint é impossível de mensurar com base em qualquer critério objetivo. Números não expressam o rosto e o sofrimento de ninguém, não servem para ilustrar o frio, a chuva, a lama, o lixo, o desespero e uma afirmação como “nós somos animais”. Normalizar o que aconteceu, tentando fazer uma análise sociológica, antropológica, histórica ou seja lá o que for, aceitando como parte do cotidiano ou como uma “questão de segurança” o tratamento dispensado às pessoas em At Tayba é algo que está fora das minhas capacidades.

 

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Em síntese, posso tentar fazer a análise que quiser, mas nada vai apagar a constatação de que, sim, nessas bandas, a vida e a dignidade têm pesos muito diferentes dependendo do lugar onde se nasça. Por questão de poucos quilômetros se decide quem merece e quem não merece ser tratado como ser humano.

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