Uma notícia
chamou a minha atenção por estes dias: a fundação, por alguns palestinos, de um
vilarejo chamado Bab al-Shams (em português, algo como Porta do Sol), na denominada Area E1, estratégica para a expansão das colônias em Jerusalém Oriental e na
Cisjordânia.
A notícia é importante
por diversos motivos. Para mim, no entanto, o que mais releva destacar é o fato
de que ninguém entendeu nada do que aconteceu. E, bom, isso é compreensível;
afinal, se já é difícil saber como de fato funciona a ocupação israelense,
imagina saber de coisas com nomes misteriosos, como Bab al-Shams e Area E1.
Resumidamente,
o que aconteceu foi o seguinte: em resposta à obtenção da Palestina, na ONU, do
status de Estado Observador, o
Primeiro Ministro israelense Netanyahu anunciou a retomada de projetos de
colonização na chamada área “E1”, uma pequena faixa de terras que conecta Jerusalém
e uma outra grande colônia, Maale Adumim (que eu visitei), ao Vale do Rio
Jordão. Com isso, seria praticamente inviabilizada a constituição de um Estado
Palestino com fronteiras contíguas, ou seja, sem fracionamentos, bantustões e coisas do tipo.
Em antecipação
a essa medida, ativistas palestinos, em 11/01/2013, se reuniram e, usando-se de técnicas
normalmente aplicadas por colonos judeus, ergueram, da noite para o dia, diversas
tendas na colina que serviria de centro para os projetos de expansão de
Netanyahu. Quer dizer, a população nativa valeu-se de estratégias normalmente
utilizadas pelas forças de ocupação para, ela mesma, “ocupar” territórios que
são, por direito, seus. Nada poderia ser mais simbólico e, ao mesmo tempo, mais
bizarro.
No entanto, o
projeto teve vida curta. Numa noite fria, depois de alguns dias de batalha
jurídica, forças militares invadiram Bab al-Shams e evacuaram seus moradores.
Ficaram, ali, algumas tendas, e a sensação de que talvez tenhamos visto umas
das medidas de resistência pacífica mais sensacionais dos últimos tempos.
A questão das
colônias israelenses na Cisjordânia não é fácil. Desde a Guerra de 1967, Israel
vem atraindo imigrantes para viver em colônias estabelecidas no interior do que
seria parte do Estado Palestino, o que, além de ilegal conforme o Direito Internacional, implica um verdadeiro regime de
segregação que muito lembra o de apartheid
praticado na África do Sul. Muro de separação, checkpoints, estradas exclusivas para colonos, portas agrícolas,distribuição desigual de recursos hídricos, etc., tudo isso decorre desseprocesso lento, porém firme, de anexação de terras que originalmente não comporiam o Estado de Israel. A tal colônia na área “E1” seria, portanto, a
cereja no topo de um bolo que só é gostoso para alguns.
Colônia de Ma'ale Adumim: riqueza e apoio estatal na Área E1 (Foto de Sean Smith, para o The Guardian)
Fazia muito
tempo que não se tomava conhecimento de um desafio tão real. E, aliás, talvez
por isso mesmo Israel tenha sido tão eficiente em abafar o caso, aumentando a
confusão a respeito do ocorrido. Afinal, imaginem centenas de palestinos saindo
de suas espremidas cidades localizadas em Áreas A e iniciando vilarejos em locais
destinadas a operações militares, à expansão de colônias, à extração de
minerais, etc. Seria algo incrível e, possivelmente, incontrolável.
Afinal,
existir, tal como vi pintado na barreira de separação em Belém, é, de fato, uma
das formas mais inteligentes de resistência que podem existir. Seguindo essa
linha – de luta pacífica – talvez possa mesmo ser possível imaginar um Estado
Palestino. Nada mais do que sonho, mas...