2 de abr. de 2012

Área C

Lá estou eu sentado numa tenda providenciada pela Cruz Vermelha, que hoje serve de abrigo temporário para uma família de Fasayil, um vilarejo no Vale do Rio Jordão. A família em questão, composta por 11 pessoas, vivia em uma casa fazia 10 anos. Agora, porque a tal casa estava no que pelos Acordos de Oslo é considerado Área C, foi ela posta abaixo.

Pouco restou. A máquina de lavar da família, aliás, totalmente inútil nessas circunstâncias, ilustra a desumanidade da ocupação. É tudo muito surreal, para dizer o mínimo.

 

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(Foto: Érico Loyola)

A Palestina pode ser considerada um arquipélago. Os tais Acordos de Oslo, que deveriam ser temporários e destinados a permitir uma gradual transferência de poder à Autoridade Nacional Palestina (ANP), retalharam a integridade territorial do país, justificando sua divisão em três diferentes áreas: “A”, onde a ANP tem controle sobre questões civis e militares; “B”, onde os palestinos são senhores tão-somente dos seus assuntos civis, e “C”, onde os israelenses têm total controle, civil e militar.

São nas áreas consideradas “C”, que equivalem a 62% da Cisjordânia, que as demolições geralmente acontecem. As forças militares israelenses, pelos motivos mais absurdos possíveis (geralmente relacionadas a questões de segurança ou de origem burocrática), emitem uma ordem e depois de algum tempo, que pode durar dias ou mesmo anos, chegam a sua casa, poço artesiano, canteirinho, horta, ou o que seja, e colocam tudo abaixo. A coisa é tão automática que até funcionários fluentes em árabe são levados ao local para auxiliar na retirada dos móveis que estão na residência, uma vez que as famílias, obviamente, resistem e se recusam a cooperar. E se há alguma forma de compensação? Não, nenhuma. É puro e simples confisco.

Por sua vez, as colônias florescem na área C. A vila de Fayasil, em específico, está cercada pelas colônias de Pezaiel e Tomer, que, com um uso absurdo de recursos hídricos (um colono consome quatro vezes mais água que um agricultor palestino), enriquecem com uma abundante produção de cítricos e hortaliças, num contraste absurdo com a aridez do Vale do Rio Jordão.

 

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(Foto: Érico Loyola)

Aproveitando essa circunstância, pergunto a uma dos desalojados se ele trabalha nas colônias.

A resposta é positiva - “sim, trabalho, mas fazer o quê, preciso trabalhar”.

Preciso tomar ar antes de seguir em frente. Que tal, trabalhar para um colono e quem sabe ver o filho deste conduzindo a demolição do lugar onde você morou por dez anos? Fico pensando, que coexistência é possível num lugar como esse, em que a mão que dá o sustento é a mesma que põe abaixo o que lhe dá dignidade? Eu não tenho nenhuma resposta, pois o que acontece aqui foge completamente a tudo que é humanamente aceitável.

Mesmo do ponto de vista legal, aliás, a situação é absurda: o artigo 53 da IV Convenção de Geneva dispõe claramente que a demolição de qualquer bem pertencente à população objeto de ocupação é proibida, salvo seja absolutamente necessária do ponto de vista militar. Bem, qual é o interesse militar em destruir a casa de uma família de agricultores que inclusive trabalha nas terras dos colonos vizinhos? Nenhum. Por outro lado, que autoridade teria Israel para dispor de supostas posturas residenciais em território palestino? Nenhuma ao quadrado.

O lado positivo é que essa família, aconteça o que acontecer, vai continuar morando no Vale do Rio Jordão. Graças ao trabalho da Jordan Valley Solidarity Movement uma nova casa será construída com tijolos de barro. A família vai permanecer vivendo em Fasayil apesar de todo o sofrimento. Aliás, viver, simplesmente viver onde se está, talvez seja a forma mais bonita de resistência que já vi.

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(Foto: Érico Loyola)

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